Erro médico: entenda as diferenças jurídicas entre negligência, imprudência e imperícia 

Na medicina, decisões precisam ser tomadas em segundos. A margem de erro é estreita. Por isso, ainda que a intenção da equipe seja preservar a vida e a saúde do paciente, algumas condutas podem ser punidas pela Justiça. 

Em geral, a responsabilização ocorre quando há negligência, imprudência ou imperícia. Esses três termos compõem a tríade da culpa médica — e embora frequentemente confundidos, têm significados jurídicos distintos. 

Saber diferenciá-los é essencial não apenas para a defesa do médico em caso de litígio, mas também para prevenir riscos jurídicos desde a conduta clínica.

Neste artigo, você vai entender:

• O que significa cada uma dessas intercorrências na prática médica;

• Exemplos reais de como elas acontecem no dia a dia dos hospitais e consultórios;

• Como se proteger legalmente ao exercer a profissão.

O que caracteriza o erro médico no Direito?

Erro médico, juridicamente, é a violação de um dever objetivo de cuidado por parte do profissional, que resulta em prejuízo ao paciente. 

Esse prejuízo pode ser físico, emocional ou financeiro. No campo jurídico, também se divide em duas subcategorias:

Dolosa: quando há intenção de causar o dano (raro na medicina);

Culposa: quando o dano decorre de falta de cuidado, atenção, cautela ou conhecimento técnico, ainda que sem intenção.

É nesse campo da culpa médica que entram os conceitos de negligência, imprudência e imperícia — os três caminhos pelos quais um ato médico pode ser considerado juridicamente reprovável.

O que é negligência médica? 

A negligência médica ocorre quando o profissional omite uma ação necessária, por desatenção ou descuido.

Em outras palavras: há o entendimento de que o profissional não faz o que seria recomendado, de acordo com as melhores práticas da medicina.

Imagine um paciente com quadro progressivo de dor abdominal, febre e hipotensão. 

Os sinais apontam para um possível quadro de abdome agudo. A equipe de enfermagem sinaliza a urgência, mas o médico responsável demora a avaliá-lo, considerando que o cenário não é tão grave. Horas depois, é constatada uma perfuração intestinal com sepse. 

Nesse caso, a conduta omissiva do profissional pode ser interpretada como negligência médica.

A negligência não se refere a erro técnico, mas a omissão de um cuidado básico, esperado pela profissão. Isso inclui:

• Não acompanhar adequadamente a evolução do quadro clínico;

• Esquecer de prescrever uma medicação essencial;

• Deixar de pedir um exame básico diante de um conjunto específico de sintomas;

• Desconsiderar alertas da equipe multidisciplinar.

Em resumo: negligência é a falha em agir quando a inação compromete a segurança do paciente.

O que é imprudência médica? 

A imprudência médica acontece quando o médico age de forma precipitada, sem cautela, ou se antecipa indevidamente a protocolos e condutas padronizadas, colocando o paciente em risco por excesso de confiança ou impulsividade.

Um exemplo: durante um parto, o obstetra decide, por conta própria, realizar uma manobra arriscada para acelerar o nascimento — sem indicação clínica clara e sem comunicar à equipe. A manobra resulta em uma fratura de clavícula no bebê. 

A questão aqui não é a técnica usada, mas o fato de ela ter sido adotada de forma apressada e desnecessária, desrespeitando os critérios de prudência médica. Isso caracteriza imprudência.

Alguns outros casos que podem se encaixar nessa categoria:

• Prescrição de medicação sem verificar alergias prévias;

• Realização de procedimentos invasivos em ambiente inadequado;

• Ignorar protocolos de assepsia em cirurgia;

• Realizar uma cirurgia com pressa excessiva para “otimizar tempo”.

Em resumo: imprudência é a ação precipitada, sem cuidado proporcional ao risco envolvido.

O que é imperícia médica? 

A imperícia médica ocorre quando o médico atua sem a qualificação técnica adequada para determinado procedimento, especialidade ou situação clínica. Está ligada à falta de aptidão profissional ou domínio científico necessário.

Por exemplo: um clínico geral atende um caso de trauma torácico com pneumotórax hipertensivo. Sem ter experiência prática no procedimento, decide realizar a drenagem de emergência por conta própria, sem supervisão ou técnica adequada. O resultado é uma lesão grave do pulmão.

Aqui, não houve omissão nem precipitação, mas falta de preparo técnico.

Situações de imperícia são comuns quando:

• Médicos tentam executar técnicas que exigem especialização que não possuem;

• Interpretam exames complexos sem a formação para tal;

• Utilizam equipamentos ou fármacos de forma errada por desconhecimento técnico.

Em resumo: imperícia é a falha causada pela ausência de competência técnica ou científica.

Tabela comparativa: negligência, imprudência e imperícia médica

Conceito jurídico O que caracteriza?Exemplo clínico 
Negligência Omissão de cuidados essenciais.Não prescrever antibiótico a um paciente com infecção grave.
Imprudência Ação precipitada e arriscada.Prescrever medicação antes de verificar se o paciente possui alguma contraindicação.
Imperícia Falta de preparo técnico.Realizar cirurgia sem a especialização necessária.

Responsabilidade civil, criminal e ética: quais as consequências jurídicas do erro médico?

A depender da gravidade do caso e do dano causado, o médico pode responder em três esferas diferentes do Direito, de forma simultânea.

São elas:

1. Responsabilidade civil médica

Na esfera civil, o foco é reparar o dano causado ao paciente. Não se trata de punir, mas de indenizar. Isso inclui:

• Danos morais (sofrimento, abalo emocional);

• Danos materiais (custos de tratamento, cirurgias corretivas);

• Lucros cessantes (quando o erro afeta a capacidade de trabalho do paciente).

Para que haja responsabilização civil, é necessário comprovar três elementos:

1. Ato ilícito (erro ou falha na conduta médica);

2. Dano ao paciente;

3. Nexo causal entre o ato e o dano.

Em regra, a responsabilidade civil do médico é subjetiva: exige prova de culpa (negligência, imprudência ou imperícia). 

Já o hospital em que o incidente ocorreu pode, em alguns casos, ser responsabilizado de maneira objetiva. 

Ou seja: o estabelecimento pode ser obrigado a indenizar um paciente pelo dano causado, mesmo que não seja comprovada a culpa direta da empresa ou de seus colaboradores. Basta que:

  • A pessoa atendida tenha sofrido um prejuízo;
  • Esse prejuízo tenha acontecido durante um serviço prestado pelo hospital;
  • Exista uma relação direta entre conduta e malefício.

Um exemplo desse cenário: durante uma tempestade, um raio atinge a rede elétrica do hospital, causando uma queda de energia. O gerador de emergência demora para entrar em funcionamento devido a uma oscilação, e alguns equipamentos param por poucos minutos. Um paciente da UTI, que dependia de suporte contínuo, sofre complicações em decorrência da interrupção.

Nesse cenário, ninguém da equipe errou ou se descuidou. Os protocolos foram seguidos, e a manutenção dos equipamentos estava em dia. Ainda assim, o hospital pode ser responsabilizado objetivamente, já que, como prestador de serviço de saúde, assume o risco da atividade e deve garantir segurança e continuidade do atendimento, mesmo diante de eventos imprevisíveis.

2. Responsabilidade criminal médica

Aqui, o sentido é punir o ato médico como crime. Acontece quando um erro causa lesão corporal grave ou morte. 

O médico pode responder por:

• Homicídio culposo (sem intenção de matar);

• Lesão corporal culposa;

• Omissão de socorro, entre outros.

Nesses casos, o Ministério Público pode oferecer denúncia, e o médico será julgado na esfera penal. 

A pena pode incluir detenção, prestação de serviços à comunidade e suspensão do exercício profissional, a depender da gravidade.

Importante destacar: mesmo sem intenção, de forma totalmente acidental, o médico pode ser responsabilizado criminalmente, se comprovada a culpa.

3. Responsabilidade ética (CRM)

Paralelamente, o médico também pode ser responsabilizado perante o Conselho Regional de Medicina, com base no Código de Ética Médica.

As infrações éticas podem envolver:

• Prática fora da área de habilitação;

• Desrespeito à autonomia do paciente;

• Conduta imprudente, negligente ou imperita.

As penalidades éticas incluem:

• Advertência confidencial;

• Censura pública;

• Suspensão temporária;

• Cassação do registro profissional (nos casos mais graves).

Essa é uma via autônoma: o médico pode ser absolvido judicialmente, mas ainda assim sofrer sanções éticas se a conduta ferir os princípios da medicina.

Como médicos podem se proteger de acusações de erro médico?

1. Documentação precisa: o prontuário é sua maior defesa. Descreva condutas, horários, recusa de tratamento, orientações dadas e decisões clínicas com clareza e técnica.

2. Consentimento informado: jamais omita riscos, alternativas ou limites do procedimento. Um termo bem redigido e explicado reduz drasticamente o risco de judicialização.

3. Limites de atuação: conheça o escopo da sua especialidade. Na dúvida, solicite parecer de colegas, chame especialistas, evite heroísmos clínicos.

4. Atualização contínua: conhecimento técnico e científico atualizado é prova de diligência profissional.

5. Assessoria jurídica preventiva: um acompanhamento jurídico de confiança ajuda a prevenir condutas de risco antes que se tornem processos.

A diferença entre negligência, imprudência e imperícia médica não está apenas nos livros jurídicos. É uma conceituação séria, que se revela nas decisões cotidianas do consultório, da emergência, do centro cirúrgico.

Saber reconhecer o limite entre uma conduta aceitável e uma possível violação ética ou legal é uma forma de cuidar da sua carreira com o mesmo zelo com que você cuida dos seus pacientes.

Leia mais: Qual a responsabilidade tributária dos sócios e gestores em uma empresa? Entenda os aspectos legais

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